Friday, June 23, 2006

Uma refutação empírica de alma e reencarnação

Alguns "cientistas" espíritas, dentro do chamado espiritismo científico, têm colocado um sinal de igualdade entre evolução espiritual e evolução darwiniana. Seria uma boa maneira de dar legitimidade ao seu fundamentalismo religioso. Há um imenso equívoco nisso visto que a evolução espiritual é um conceito tipicamente teleológico. A reencarnação ocorreria progressivamente com o propósito de saldarmos dívidas que contraímos em "vidas passadas". Com sucessivas reencarnações adquiriríamos a "iluminação" ou estado ideal. No entanto, não há uma cartilha disponível dizendo o que é certo ou errado, mesmo porque estes conceitos são relativos e dependem do contexto social e cultural.

Consideramos, em geral, pecado como sendo uma violação de determinada regra ditada por crença ou religião. Na reencarnação para saldarmos as dívidas passadas (pecados) teríamos que invocar um ambiente constante de modo que poderíamos voltar no tempo e chegar no mesmo ponto onde paramos. Mas, como um atributo exclusivo do homem é "pecar" (transgredir regras), a dívida nunca seria saldada e esse processo passaria a ser ad infinitum sob os auspícios de um Deus sádico e cruel. Note-se que a fatura do cartão de crédito nunca é mostrada para o endividado. O livre-arbítrio, nesse contexto, seria uma explicação ad hoc que serviria sempre pra justificar qualquer tipo de atitude contrária ao status quo.

Ainda, na evolução espirital sob forte influência cristã, o homem é a "parada" mais próxima antes de Deus para o qual o homem lhe deu a própria imagem e semelhança. Sendo assim, o homem estaria situado a parte da natureza, devido ao grau de superioridade em relação aos demais seres vivos. Estaria em posição privilegiada dentro da scala naturae. Os outros organismos teriam sido criados para lhe servir. Até mesmo a mulher teria sido criada para isso. Seria menos capaz e de importância secundária (por que freiras não podem celebrar missas?*rs). Infelizmente, isto retrata a nossa visão antropocêntrica e machista do mundo.

Evolução darwiniana é bem diferente. Nela cada evento de permanência de um indivíduo ou grupo de individuos no espaço-tempo é único e está associado com interações adaptativas particulares. O ambiente não é assumido como constante, de modo que se em dado tempo algo fornecia vantagem e garantia a sobrevivência do seu possuidor em relação a outros, em outro momento isto pode não acontecer. Não há estado finalou ideal. É tudo circunstancial. Assim, a evolução biológica é representada por uma árvore ramificada e não em linha reta ou escada como muitos acreditam. Ela nos mostra alternativas temporárias (adaptações) para determinadas imposições ambientais. Ninguém é melhor, apenas bem sucedido e diferente.
Voltar através da reencarnação é algo que não faz o menor sentido dentro da evolução darwiniana. Aquilo que as espécies "aprendem" na Terra em função de interações particulares e que servem para melhorar ou manter as condições para descendentes, é transmitido verticalmente através de processos hereditários e não horizontalmente, por reencarnação.

A nível populacional, há um grande contrasenso. Se há crescimento populacional em escala geométrica, falta corpo para receber alma. Espíritas lunáticos usam a explicação ad hoc da reencarnação em outros planetas para defender suas idéias. Uma saída estratégica para não ter suas idéias expostas às evidências contrárias. Mas, a vida na Terra é resultado de um processo único e contínuo de descendência com modificação. Se não fosse assim, não faria o menor sentido reconstruirmos relações filogenéticas entre os seres vivos, trabalhando com ciências históricas como a sistemática ou paleontologia. Um homem reencarnando numa planária é redundância de informação no sistema. Algo sem o menor fundamento científico.

O dualismo entre corpo-alma começa formalmente com Platão. Depois Santo Agostinho introduziu essa idéia no escopo da Igreja Católica. Já, o espiritismo kardecista é fundamentalismo de segunda mão porque Kardec assume a veracidade dos Evangelhos, mesmo dando nova interpretação para eles. O Velho Testamento para ele seria algo que deveria ser reformado pela vinda do Cristo. Mas, pelo que se sabe, a Bíblia foi escrita por pessoas diferentes, em épocas diferentes, e foi montada como uma imensa colcha de retalhos segundo diferentes propósitos e incorporando mitos de outras religiões. Se fosse uma revelação de Deus ao homem não deveria ter anacronismos, contradições e explicações que batem de frente com a ciência. Mas não é o que se verifica. Ainda, há passagens que mostram muita crueldade e intolerância. Um Deus que protege o seu povo eleito e pune os demais por não crerem Nele. Um verdadeiro culto contra a liberdade de pensamento e expressão.

Recentemente, tem-se notado que o esoterismo, paganismo e espiritismo apareceram como movimentos rivais das religiões tradicionais, particularmente contra a tradição judaico-cristã, incorporando propostas humanistas mais liberais.

O espiritismo é interessante num aspecto, ele nos oferece uma alternativa para o inferno católico. No entanto, mantém estreitas relações com o cristianismo. Mas, aos poucos tem-se notado que há várias correntes surgiram dentro do movimento. O número de espiritas é tão grande quanto a noção que cada um tem quanto a Deus, alma e ao próprio espiritismo.

Se evolução espiritual é darwiniana, então o conceito de alma é extensivo e relativo para todos os seres vivos. Se o processo é contínuo deveria existir um estado pré-alma ou coisa parecida.
No darwinismo todas as espécies possuem o mesmo valor. Ser mais inteligente não dá status a ninguém, pois há organismos não inteligentes bem sucedidos co-existindo com inteligentes. Se todos os organismos fazem parte de uma imensa árvore genealógica, a "alma" deve ser atributo para todos e não de ocorrência polifilética entre os mais inteligentes.

Um dos maiores problemas metafísicos é a definição de alma. É um estado de consciência extra-corporal? Se for, viola o que sabemos das neurociências e da teoria da relatividade. Nosso comportamento e, por extensão, nosso pensamento é fruto de processos neurogênicos (bioquímicos e bioeletrogênicos) no cérebro. Podemos alterar nossa consciência e percepção ao aumentarmos ou diminuirmos a quantidade de neurotransmissores ou no grau de oxigenação no sangue que circula no cérebro. Para entrar em transe, desmaiar ou enlouquecer basta brincar com o equilíbrio fisiológico.
Logo, processos "paranormais" são apenas uma extensão dos processos neurogênicos normais que necessitam ser investigados com mais detalhe.
Como conceber que uma mente não física pode interegir ou ocupar um corpo físico, uma vez que ela, por definição, não ocupa espaço? Segundo a visão dualista, a mente existe no tempo, mas não no espaço. Na relatividade, espaço e tempo são aspectos diferentes de um espaço-tempo unificado. Qualquer entidade que existe no tempo deve existir no espaço e vice-versa. Logo, corpo astral é improvável.
Há mais evidências materialistas do que para o metafísico dualismo corpo-alma. Há mais evidência para a extinção individual gradual do que para uma perpetuação imortal. Nenhum caso de comunicação entre mortos e vivos foi validado por uma comunidade científica respeitada.

De qualquer forma há muitos supostos cientistas que buscam evidências científicas para legitimar as suas ideologias religiosas. Buscam na ciência conceitos e linguagem que lhes dê credibilidade na luta pela sobrevivência das diferentes crenças e religiões. Pseudocientistas brincam com dados empíricos para justificar seus conceitos. Mas, cientistas brincam com conceitos para justificar esses dados.

Vejamos:

Premissas:
1. Evolução biológica é fato
2. Evolução espiritual=evolução biológica (darwiniana)
2. “alma” é atributo de todo ser vivo
3. há um corpo para cada “alma”
4. “alma” reencarna

Experimento 1. planária e a individualidade

Pegue uma planária (platelminto com altíssima capacidade de regeneração e que por divisão produz novos individuos a partir do orginal). Corte a planária sagitalmente. Temos duas metades de planária. Com o tempo, duas novas planárias com histórias individuais particulares aparecem.

Questão 1: não há morte do indivíduo, mas a divisão deste em dois. Logo, há duas “almas” que surgiram pela modificação da “alma-mãe”? Perguntas: É a mesma alma? A “alma” diminui de grandeza física com a divisão?

Deixe o tempo passar e coloque os dois indivíduos em condições ambientais diferentes (sob diferentes pressões ambientais). Corte de novo as planárias. Temos agora, com o tempo, quatro planárias filhas. Mate uma das planárias. Temos três planárias filhas com “alma” ocupando corpo e uma “alma”, desocupada, no “umbral planariano”?

Questão 2: Note que o número de planárias aumentou com o tempo e a relação constante de 1 para 1 entre corpo e alma foi violada. A “alma” planária terá que esperar no “umbral” por falta de corpo, já que não houve morte. Se fosse uma bactéria jamais poderia reencarnar.

Questão 3: as almas evoluem sem precisar reencarnar? Se houve divisões em sequência, com o aparecimento de indivíduos com novas histórias independentes, e não houve morte nas três, a suposta alma de cada uma evoluiu direto da condição da alma ancestral sem ir para o "limbo" ou "umbral planariano".

Questão 4: se é a mesma alma para todos, então teríamos ao mesmo tempo corpo com a mesma alma e a mesma alma sem corpo. Como explicar isso então?

Conclusão: os conceitos de alma e reencarnação carecem de base lógica. Organismos que se reproduzem por simples divisão ou brotamento refutam alma e reencarnação. Estes conceitos refutados por dados empíricos sobre reprodução de vários organismos.

Extensões:
Problema 1. Gêmeos univitelínicos têm a mesma alma? A alma desce de “para-quedas” depois de certo tempo e passa a ocupar os corpos?

Problema 2. Uma pessoa com duas cabeças e um único corpo, tem duas ou uma alma? Se cortarmos uma das cabeças, temos uma alma desencarnada e outra encarnada para o mesmo indivíduo?

Problema 3. As populações humanas sem mantiveram numericamente constantes ao longo dos tempos? Dados históricos mostram que não.

Hipótese ad hoc para salvação desse absurdo: guerras e doenças reduziram populações ao longo dos tempos. Só certos animais teriam alma ou alma só existe para o ser humano e o torna especial em relação a outros animais (=antropocentrismo).

Experimento 2. planária e memória de vidas passadas

Pegue uma planária. Dê alimento regularmente. Coloque-a num recipiente com uma luz vermelha diretamente ligada a um interruptor. Faça o seguinte procedimento:
a) Toda vez que a planária se aproximar da luz vermelha, aplique um choque elétrico. Faça-o sempre por longo intervalo de tempo.
b) Passado o longo tempo, corte a planária em duas. Aguarde a regeneração, deixe o tempo passar e volte a cortar as planárias. Temos agora quatro indivíduos. Coloque-os em caixas com novas condições ambientais
c) Selecione um desses indivíduos e experimente acender uma velha lâmpada. Veja qual a reação dele? Vão reagir como se estivessem submetidas a choque elétrico. “Memória de vida passada”.

Questão 1. Se houve divisões sucessivas, não houve morte individual definitiva. Temos vários indivíduos a partir de um ancestral. A “memória” (resultado de interações entre órgãos sensorias, cérebro e ambiente) foi transmitida de geração após geração. Alma e reencarnação seriam necessários para explicar “memória de vidas passadas”? claro que não.

Questão 2. O comportamento e o pensamento são o resultado da interação de aspectos bioquímicos e bioeletrogênicos no nosso cérebro com as diferentes neurociências têm demonstrado. Se o equilíbrio entre funções cerebrais é alterado, coisas estranhas podem acontecer: o individuo pode enlouquecer, entrar em transe e até, manifestar “memórias de vidas passadas”. Todo o processo é neurogênico. Não há necessidade de apelar para o sobrenatural.


Questão 3. Sob condições especiais nossos sentidos ficam mais aguçados. Por exemplo, um cego consegue desenvolver a audição melhor que uma pessoa normal. Muito do que vivenciamos fica na “caixa preta” do nosso inconsciente e sob condiçao de transe, se manifesta como fenômeno dito paranormal (xenoglossia, pantomnésia etc.). Ainda, Criptomnésia é uma boa explicação alternativa para memória de vidas passadas via reencarnação.